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“Todo inseto tem um neto que fica mais forte tomando inseticida”




Inês Ferreira
Só quem já circulou no meio de uma concentração de milhares de trabalhadores deste país, prontos para protestar, é capaz de entender de onde vem à força e o motivo para o embate com o poder político e econômico, como ocorreu em Brasília, no último dia 24 de maio.

É importante lembrar, que ao contrário do que disse um amigo do senador Magno Malta (PR-ES), esta semana, numa rede social, para definir o perfil dos participantes da Marcha a Brasília, essa concentração de pessoas não é composta por “arruaceiros e maconheiros”, mas por trabalhadores.

Deputados e senadores que naquele dia estavam em Brasília poderiam ter confirmado isso, se tivessem saindo de seus gabinetes e fossem até a concentração em frente ao Estádio Mané Garrincha. Talvez, assim eles entendessem que essas pessoas, as quais eles representam, é a verdadeira expressão da “cara do Brasil” e merecem respeito e consideração.

Os trabalhadores que foram a Brasília representam a maioria dos mais de 206 milhões de habitantes do país. São eles que ocupam mais de 96 mil postos de trabalho e produzem toda a riqueza do país cujo desfrute, na sua amplitude, fica por conta de apenas 10 mil ricos.

Estes poucos ricos, juntos com a maioria dos deputados e senadores são os que querem as reformas da Previdência e Trabalhista e a permanência de Michel Temer no poder.

A massa de trabalhadores que protestava em Brasília era formada por pessoas simples vindas do campo, dos mais diferentes setores de produção ou que exercem funções vitais para a manutenção do equilíbrio social - como os agentes penitenciários.

Para quem não entende o acontecido os trabalhadores só queriam ser ouvidos e fazer seu protesto na frente do prédio do Congresso Nacional. No local, eles denunciariam a subtração de direitos da maioria da população, até de quem não trabalha. Atitude garantida num regime democrático.

Homens, mulheres e outros gêneros vindos dos mais variados lugares do país, formaram o coro dos brasileiros descontentes com a política. Com suas bandeiras amarelas, vermelhas, coloridas e azuis eles esqueceram o cansaço da viagem longa e marcharam, motivados por palavras de ordem cujas mensagens principais eram:  
“Não as reformas da Previdência e Trabalhista e Fora Temer’”.

Entre os mais de 100 mil trabalhadores que desciam a avenida, estavam os servidores públicos que trabalham no sistema penitenciário, como os representados pelo SINDCOP (Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Penitenciário Paulista).

Também estavam entre eles, aqueles servidores penitenciários que ocuparam a sala da comissão especial da reforma da Previdência, no último dia 3 de maio e que se tornaram exemplos, no país, de resistência às reformas que retiraram direitos de trabalhadores.

Empunhando faixas, bandeiras azuis e com seus coletes pretos os agentes penitenciários nem imaginavam que mais uma vez fariam a diferença nesse cenário de luta de classes e se tornariam, outra vez, protagonista da luta. Inesperadamente coube a estes servidores a demonstração de coragem diante a repreensão do movimento.

Não houve tempo para estratégias. Não houve tempo para planejamento.  Quando, no caminhão de som de uma das centrais sindicais que descia a avenida, alguém chamou os agentes penitenciários para ocupar a  frente da marcha a resposta foi imediata.

Nesse momento, formou-se uma coluna humana com servidores penitenciários de todo o país. Em seguida abriam-se alas de pessoas que deram passagem para que eles chegassem mais rápido até a barreira policial e garantisse a segurança dos manifestantes.

Para entender melhor a cena do ocorrido, esse momento foi como se os espíritos dos nossos ancestrais Tupinambás, Tapuyas, Potiguaras,Cayetés,Tupinambás,Tupinankis,Papanás, Aimorés,Goaitacás,Tamoyos Goayanás, Carijós e Charuas tomassem conta dos agentes penitenciários.

Abraçados uns aos outros eles entoaram o mais forte som da marcha – um “ooô” – semelhante ao grito de guerra que nossos ancestrais usavam durante rituais de passagem.

A resposta ao chamado foi imediata. Aquele espírito de luta escondido e adormecido no mais profundo imaginário de cada manifestante foi exteriorizado a partir do chamado.

Cena como essa pode ser compreendida por meio das perfeitas discrições de “Viva o Povo Brasileiro”, obra de João Ubaldo Ribeiro, que explica a origem do sentimento de exclusão e as significações profundas dos recalques que o povo brasileiro de hoje carrega, por causa da violência sofrida e o desdém aos seus direitos.

Foram esses sentimentos que afloram em Brasília – o de que todo povo brasileiro é fruto de uma exploração de mais de 500 anos, que essa sensação está contida na alma dos trabalhadores e que é preciso lutar contra essa exploração.

Atrevo a dizer que foi isso!

Simples assim. Como resultado de um ritual de passagem, daqueles que nossos índios faziam nas cerimônias que marcavam a mudança de estações do ano ou de um indivíduo ou de um grupo de uma situação social para outra.

Depois desse grito de guerra na avenida a importância das “coisas” deixou de existir e assim como no passado, o embate tornou-se desigual.

De um lado trabalhadores desarmados, estonteantes, com olhos lagrimejando e ânsias de vomito provocadas pelos sprays de pimentas. Caídos ao chão, feridos por balas de borrachas ou capsulas de bombas de gás lacrimogêneo.

Do outro, a Força Nacional, a Tropa de Choque, a Cavalaria. Todos protegidos e armados até os dentes. Atiram sem dó nem piedade. Como se lidassem com párias, bandidos, inimigos, insetos.

Um cenário de guerra, de uma luta desigual!

O povo resistiu como pode.

Caíram, levantaram, foram feridos com armas letais, perderam o dedo, tiveram dificuldades para respirar, choraram, gritaram e fizeram o que puderam para dar o seu recado, mesmo que de longe.

O povo foi valente!

O embate resultou em 46 feridos, dois deles em estado grave. É! Depois dizem que lutar pelos direitos dos trabalhadores é coisa fácil?

No dia seguinte, alguns disseram que os trabalhadores tupiniquins perderam a batalha. Teve quem disse que riu quando os trabalhadores foram recebidos com spray de pimenta como se fossem insetos.

Outros lembraram que deputados ignoraram completamente o acontecido e ainda aprovaram seis medidas provisórias, aproveitando a ausência da oposição.

E o Temer? Parece que nem era com ele!

Apesar do descaso e das interpretações errôneas, isso não significa que os trabalhadores perderam a luta.

Antes de tirar conclusões baseadas em informações da grande mídia, que só faz média com o poder,  lembre-se do que disse o poeta e cantor Jorge Mautner, na música “Tataraneto do Inseto”.

“De acordo com a lei estabelecida, de driblar sempre a morte com a vida, cada inseto tem um neto, tataraneto de outro inseto que fica mais forte tomando inseticida”.

Ah! Não entendeu?

Os trabalhadores pediram para traduzir.


- “Voltaremos em breve e mais fortes do que nunca!”

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